by Max Barry

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by The Totally Totalitarian Tyranny of Totaristan. . 56 reads.

Paranóia - Luso-Escrita 2020

21/5/2035

Era um dia perfeitamente normal. Acordei, tomei o pequeno almoço, tomei um duche e sentei-me no sofá com o telemóvel, enquanto ligava a televisão para ter algum ruído de fundo.

Há muito tempo que não saía de casa e comecei a procurar por jogos para me manter entretido.

Foi aqui que tomei a pior, embora aparentemente inocente decisão de clicar num link para um site chamado nationstates.net

O jogo era muito simples: responder a perguntas e ver os resultados das decisões. Estava prestes a perder o interesse, até que recebi um telegrama de um jogador com uma bandeira quasi-nazi, a convidar-me para uma região chamada Portugal. Carreguei no botão no fundo do convite e em breve entrei na região. Nada de extraordinário aconteceu entretanto, pelo que saí do site e comecei a fazer outras coisas.

Umas horas depois voltei para ver como estava a nação. Acabei por ir espreitar o Board da região, onde as pessoas estavam a deixar mensagens. Havia discussões sobre política, piadas, links para artigos de notícias e muitas mensagens apagadas sempre pelo mesmo jogador.

No dia seguinte, a rotina habitual repetiu-se, mas desta vez esqueci-me do jogo. Só pela noite voltei a fazer login, e para grande surpresa minha, tinha uma dúzia de notificações de pessoas a mencionarem-me no Board.

Aparentemente, todos estavam a discutir se eu era um troll e se deveria ser expulso. Na altura não me apercebi, mas isto era um sinal de alarme, e deveria ter saído imediatamente do jogo. Mas continuei a descer pela página e um comentário chamou a minha atenção.

O comentário em si não tinha nada de especial, e, honestamente, nem percebi do que se tratava, mas a bandeira era realmente perturbadora. Normalmente nem reconheceria a sua cara tão pequena, mas por azar carreguei no perfil do jogador. Ali, em grande plano, a cara de um homem que eu conhecera apenas há uma semana em Coimbra, num encontro do CEC. A coincidência era extraordinária. Bom, talvez não fosse assim tão improvável, pois ele já tinha dado a entender que se interessava por política, mas ainda assim fiquei um pouco chocado.

Neste momento a minha curiosidade levou-me a continuar a minha pesquisa, e tudo começou a ficar mais estranho. Percebi que ele realmente jogava Nationstates, mas não era o dono da nação que eu tinha visto. Na verdade, havia mais de 100 menções sobre ele no site, e isto sem incluir as vezes em que era casualmente tratado apenas pelo primeiro nome. Eles tinham um jornal com umas bandas desenhadas em que a sua cara aparecia dezenas de vezes. Encontrei um link para uma pasta no Google drive com ainda mais imagens com a sua cara editada.

Era tudo um bocado perturbador, mas convenci-me que afinal não havia nada de especial nesta situação. No final de contas, ele não era o único a ser tratado pelo nome próprio, ou a ter a sua cara editada.

Mas depois encontrei uma página com imensas "cartas", no total com mais de 4000 palavras, o equivalente a quase 20 páginas, de fan fiction sobre aquela personagem a que carinhosamente tratavam por "General".

Comecei a duvidar se não teria entrado num culto.

Um pouco assustado, decidi sair daquela região. Escolhi um outro nome dos que apareciam a seguir a "Embassies", e fugi daquela loucura. Minutos depois recebi um telegrama a avisar-me que tinha sido banido da nova região, por suspeitarem que fosse um troll a gozar com outro jogador português de lá, que também tinha saído de Portugal, aparentemente por ter sido alvo de perseguição. Sim, também eu fiquei confuso.

Neste momento já deveria ter abandonado o jogo, mas tinha que saber o que se estava a passar naquele estranho canto da internet. Continuei a procurar e deparei-me com mais um nome familiar, que, pelos vistos, era o verdadeiro perseguidor do português na outra região. Eu reconhecia o nome, mas não me lembrava de onde. Quem era esta nova personagem? E porque é que o nome me era familiar?

E depois lembrei-me.

Na fotografia de casamento do meu tio estava eu, o meu pai, o perseguidor pelo qual me confundiram, e o noivo, que também era um jogador naquela região. Eu estava ao colo do meu pai, o noivo segurava uma galinha e todos sorriam, provavelmente meio bêbados.

Pouco antes do nascimento do meu irmão, tivemos que mudar de volta para Portugal e o meu pai deixou o jogo. Às vezes ele olhava para trás de repente e murmurava para si mesmo que tinha que escapar ao "camarada do sofá". Nunca tinha percebido o que isso significava até hoje.

O meu coração começou a bater mais depressa à medida que continuava a ler aquelas mensagens, já com 15 anos, a falarem sobre pessoas que eu já não via há tantos anos… Na altura era tão novo que mal me lembrava das suas caras e dos seus nomes, mas agora tudo estava a voltar-me à memória.

O telefone tocou.

Estava tão concentrado que dei um pulo de susto. Por momentos fiquei paralisado de terror... Teriam eles conseguido encontrar-me?

A tremer e com o suor a escorrer-me pela testa, aproximei a minha mão do telemóvel, mas, para meu alívio, ele desligou-se antes que conseguisse atender.

Apenas segundos depois, voltou a tocar. Atendi nervosamente.

Era publicidade da NOS.

Ok, estava na hora de ir dormir e nunca mais voltar àquele maldito jogo.


Passaram-se vários anos desde então. Já não vivo na mesma casa, já não uso o mesmo telemóvel e já não uso o mesmo nome. Tenho a certeza de estar a ser perseguido.

Tal como o português da outra região, tal como o rapaz de Coimbra, tal como o meu pai, emigrante nos EUA, a minha vida foi destruída por aquele jogo.

Se estiverem a ler isto,

NÃO ENTREM NA REGIÃO DE PORTUGAL

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